Polixeni Papapetrou, Photographer With an Eerie Eye, Dies at 57.
Fragmento da minha dissertação de Mestrado:
"Através do Surrealismo e o que Alice encontrou lá."
Polixeni Papapetrou
"Mas todos sabemos o quanto ainda
confundimos as figuras originais de Tenniel e o texto de Carroll que parecem
contar juntos a mesma estória. Perdemos a noção se as figuras são de fato fiéis
ao texto ou se criamos a partir delas um novo texto. Pode existir de fato
fidelidade entre figuras e textos como os de Carroll? Alice pede diálogos! Será
que para o leitor atual a Alice de Tenniel continua sendo a mais perfeita
ilustração da obra?
Quem desafia a
Rainha de braços cruzados?
Quem conversa
com um gato louco buscando novas direções a seguir segurando as mãos para trás?
Polixeni Papapetrou
A possibilidade de releitura da imagem
original de Tenniel se abre para outras interpretações. Durante anos os
ilustradores se fixaram em suas soluções espaciais. Também retomando o
repertório original do artista vitoriano, as estratégias conceituais de
artistas como Polixeni Papapetrou estabelecem outros diálogos. Fotografia e
pintura coexistem num espaço performático aonde as linguagens dialogam e a
articulação entre fotografia e pintura amplifica múltiplos caminhos de leitura.
A
filha da artista, Olympia, cria uma nova Alice que interage com os personagens
numa atitude que se rebela diante da Alice comportada de Tenniel. Polixeni retoma o
cenário de Tenniel e propõe uma nova Alice. Na cena da rainha, se Alice cruzava
os braços de forma passiva, a Alice de Olympia reage num gesto de espanto e
inquietação. Da mesma forma o leitor de Alice e o leitor de Polixeni podem
recriar a estória infinitamente e assim os cânones e as identidades fixas.
Estratégias como essa dialogam com o
conceito de Narrativas Enviesadas, desenvolvido por Katia Canton[1]
As narrativas enviesadas contam estórias de modo não linear, compostos através
de colagens, fragmentações, deslocamentos. São obras que narram, porém não
necessariamente resolvem as próprias tramas apresentando narrativas abertas. As Alices de Polixeni Papapetrou não
contam a estória mas dialogam com as figuras de Tenniel que habitam nosso
imaginário, dando passagem para outras maneiras de se contar e se viver a
estória de Alice.
Se me projeto empaticamente nas Alices de
Tenniel, como neurônios no espelho, me sinto uma menina vitoriana domesticada e
contida, que não sujaria o vestido, não se jogaria no poço, não se desdobraria
em serpente para conhecer seus perigos. (Essas Alices que estão no texto, não
aparecem nas figuras de Tenniel). A Alice de Tenniel quase não muda, rígida e
resistente aos movimentos de transformação da vida. Aprendemos com Tenniel que
Alice acorda no final do livro e tudo volta a ser como era antes. Será?
Quantas aventuras ainda viveria, quantos
caminhos escolheria, quantas ainda viria ser? Se a vida é sonho, Alice não tem
com acordar, senão despertar. Não se trata apenas do que estava escrito, mas de
um diálogo com os seus silêncios, mas de ouvir que nós mesmos somos outros a
cada leitura e conosco nossas Alices. Alice extravasa as bordas do livro e vai
viver múltiplas aventuras entre devires e constelações.
A Alice de Tenniel ainda dá voltas ao redor
da mesa, sempre na hora do chá, emburrada e sem voz. Ao mesmo tempo todos
aqueles que insistem em reproduzir fórmulas e frases feitas continuam presos no
ritual repetitivo da hora do chá. Muitas Alices de hoje se desdobram em novas
linguagens e figuras, despertando em diferentes artes e figuras, ganhando vida
própria nas tessituras da cultura. Amigos de novos tempos de que Alices somos
capazes?
Para que continuar vivendo como Alice
sentada na mesa posta do chá sem poder falar? O que buscamos hoje são maneiras
de ficarmos amigos do tempo (como sugere o chapeleiro) e nos libertarmos dos
rituais que aprisionam. Esse é um convite para as novas Alices. Alices
mutantes, múltiplas e simultâneas. Marcel Duchamp construiu sua obra pela superação da arte retiniana e puramente
visual pela pintura ideia. Ele nos mostrou que todas as artes nascem e terminam
numa zona invisível. Duchamp disse que o “artista, tal como Alice no país
das maravilhas, tinha que atravessar o espelho da retina para alcançar uma
expressão mais profunda.”
John Tenniel, 1865
Polixeni
Papapetrou, 2004
[1] Canton, Katia. Narrativas
Enviesadas. Temas da Arte Contemporânea. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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