Gothic and Lolita
Gothic and Lolita
O nascimento da cultura Gosu-rori (gothic Lolita) coincidiu com a publicação da tradução de Fushigi no kuni no arisu por Yagawa Sumiko, como me mostrou Sean Summers em Arisu in Harajuku. Ele é o meu coelho branco que me revelou essa realidade surpreendente e em grande parte mal compreendida. Sumiko estimulou o florescimento de uma contracultura que libera a imaginação das rotinas sociais repressoras e repetitivas, abrindo a possibilidade de novas amizades com o tempo.
O país das maravilhas (Fushigi) revela um atmosfera de sensações, incluindo encantamento, maravilhoso, mas também mistério, estranhamento e medo. Fushigi no kuni no arisu foi traduzido de modo a penetrar nas necessidades existenciais de uma geração, particularmente uma juventude marginalizada e desajustada que podia assim enfrentar o mau estar, a depressão, a violência e a rejeição, através do maravilhoso manifestado no cotidiano.
Fushigi não sugere devaneio ou escapismo, aponta Sommers, mas uma terapêutica da criatividade e uma “alquimia da metamorfoses”. Uma subversão dos padrões do feminino, derrubando as fronteiras entre o que é feio e bonito, doce e perverso, violento e delicado. Lolitas buscam prolongar a infância e questionar a cultura dominante com jeito de criança e pose de boneca, numa brincadeira de ser ou não ser que atravessa as fronteiras entre arte e vida. Será que Hello Kittys comem morcegos? Será que morcegos comem Hello Kittys?
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Mas é importante ter em mente que faz também parte da própria lógica da moda contemporânea o exercício da metamorfose ambulante. A criação e expressão do si como um exercício de criatividade virou também um jogo de mercado. Vivemos na cultura da diferença, aonde entram em cheque uma pretensa criatividade e um desejo de unicidade conformado em fórmulas de existir, como identifica Cristiane Mesquita. A roupa pode ser um lugar de expressão num território existencial. Mas a moda também oferece no mercado identidades efêmeras de fácil substituição para serem consumidas. Como distinguir uma coisa da outra? Alice nos desafia.
Alice pode padronizar, domesticar e conformar, mas também pode inquietar, intrigar, desestabilizar. Ela nos põe em contato com a incerteza, o imprevisível, a incoerência, o indomesticável. Incorporando idéias de Rosane Preciosa sobre a existência, rompendo com modelos hegemônicos de existência, as novas Alices devem inventar universos existenciais. Alices se entregam para a grande vida e dizem: eu sou uma pergunta.
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Fragmento do artigo: "A caça de Alice em sete crises" de Adriana Peliano.
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