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28 de out. de 2010

Le jardin d' Alice by Jose Roosevelt



Há muitos anos atrás vi uma imagem de Alice deslumbrante, bizarra, louca. Ela rompia com com o mimetismo linear das ilustrações convencionais e criava uma outra lógica de tempo e espaço, convidando o sonho e o maravilhoso a subverterem nosso lugar no mundo. Ela revelava uma surrealidade.

Nunca mais vi essa imagem, já duvidava se ela existisse de fato. Acabei de descobrir que ela não só existe como foi criada por um artista brasileiro que viveu grande parte da vida em Brasília, aonde nasci. Viva o jardim de Alice de Jose Roosevelt!


Entrei em contato com o artista que me apresentou um mundo carrolliniano muito instigante. O universo de Alice acompanha a produção do artista a muitos anos e já apareceu em muitos dos seus trabalhos. Tomo aqui a liberdade de reproduzir o email que recebi de Jose Roosovelt, apresentando suas incríveis alicinações.

Many years ago I saw a picture of Alice, gorgeous, crazy, bizarre. She broke with the conventional linear mimicry of conventional illustrations, creating a different logic of time and space, which invited the marvellous and the dream lands to subvert our place in the world. It revealed a surreality.

I never saw this picture again, I ever doubted whether it actually existed. I just found out that not only exists, but it has also been created by a Brazilian artist who lived much of his life in Brasilia, capital of Brazil, where I was born. Long live to the garden of Alice by Jose Roosevelt!

I sent an email to the artist and in his answer I had amazing revelations. Alice and her world is present in many works of the artist, including commissioned illustrations and comics. Here I present part of these astonishing alicinations.





Olá Adriana.

Obrigado pela sua mensagem!

Eu não nasci em Brasília, mas foi quase como. Tinha dois anos quando minha família mudou pra lá, em maio de 1960, quando aquilo era mais uma aventura que uma cidade. Morei até os 24 anos na capital da República e jamais pude esquecer esse lugar mágico, onde comecei a minha carreira de pintor e desenhista.

Gostei de visitar os seus blogs, sou eu também um fã de Alice, como já deu para você perceber. Fiquei emocionado em ver as reproduções do meu quadro "Le jardin d'Alice" (O jardim de Alice) no seu blog. Em francês, o título do quadro porta um jogo de palavras, pois faz referência ao quadro do Hieronimus Bosch "O Jardim das Delícias", que é em francês "Le jardin des Délices" - se se pronuncia rápido, pode-se até confundir os dois títulos). O título é em francês pois já morava na Suíça quando pintei esse quadro.

Naturalmente, ele não é uma ilustração, no sentido exato da palavra, do livro de Lewis Carroll, mas uma espécie de delírio, na mais fiel tradição surrealista de associações livres, provocado após uma leitura d'Alice no País das Maravilhas. Foi, na origem, um desenho a nanquim. Veja aqui:
 



Drawing that originated the picture "Le jardin d'Alice" an word game with the title of Hieronymus Bosch picture The Garden of Earthly Delights.



"Como artista surrealista, trabalhando intimamente com o inconsciente, sempre considerei o livro Alice no País das Maravilhas como uma das mais inspiradas expressões dessa parte do mundo psíquico. O fato de Carroll ter escolhido uma menina como alter-ego (lado feminino, das sombras, da intuição, da criação) me parece mais do que judicioso. Um menino não reagiria jamais como Alice, um menino não se deixaria levar pelo lado lúdico do País das Maravilhas, ele contestaria imediatamente, numa lógica masculina, a magia e o absurdo. Alice, ao contrário, aceita a invasão do incoerente, numa atitude perfeitamente surrealista, ao ponto de duvidar de sua própria identidade. Li Alice no País das Maravilhas inúmeras vêzes, desde a infância até a idade adulta, saboreando com um prazer sempre renovado essa odisséia pelos meandros do inconsciente. Leitura inspiradora, leitura libertadora.

"Le Jardin d'Alice" foi concebido em um estado mental propício à recepção de imagens hipnagógicas, entre o acordado e o adormecido, ajudado pelo cansaço de um dia de intenso labor. Quase que em transe, sentado à minha prancheta de trabalho, desenhei todos os personagens do quadro de maneira livre de toda censura da razão, sem me preocupar com a significação ou o sentido de cada um. Ia colocando os desenhos de maneira anárquica sobre a folha de papel, repetindo, tal um mantra hindu, o nome "Alice". Em verdade, tinha acabado de fazer, naquele dia, uma enésima leitura do livro de Carroll. Não era minha intenção de ilustrar Alice, mas de me deixar guiar por uma atmosfera maravilhosa que restava no meu cérebro, como um perfume de uma rosa, que permanece no ar mesmo depois que esta não está mais presente. Me deixar guiar... em um jardim, com suas bifurcações e cruzamentos, com seus moradores fantásticos e suas surpresas. Dizem que a entrada dos jardins da China antiga eram construídos como verdadeiros labirintos. Por quê? Porquê eles eram assim protegidos do Diabo, que só consegue avançar em linha reta. Pois bem, o Jardim de Alice é assim: protegido da linha reta do racionalismo, da lógica, do cartesianismo. No dia seguinte, recuperei minha folha de papel e redesenhei, com o detalhamento necessário, os personagens "inventados" na véspera, numa composição mais harmoniosa. Foi a parte consciente do trabalho. As possibilidades de interpretação de meu quadro são numerosas, e certas pessoas deram respostas bastante diversas para os mesmos detalhes. Algo porém, faz quase que unanimidade: uma certa aproximação erótica do tema "aliciano", sublinhado pelo fato de que minha Alice apresenta características de adolescente.

Mais mágico ainda que o mundo da Alice, é o nosso próprio mundo, não? Fico encantado com esse tipo de coincidências (serão mesmo coincidências?), como a de uma brasileira que nasceu em Brasília descobrir no web um brasileiro que morou no mesmo lugar... e que ambos tem um carinho especial pela criatura de Lewis Carroll.

Um abraço e os votos de muito sucesso para os seus blogs e a Lewis Carroll Society of Brazil!"

José Roosevelt


Quase ao mesmo tempo, recebi a encomenda de ilustrar o livro "Alice no País das Maravilhas" para uma edição destinada às crianças. Fiz 96 ilustrações, algumas das quais se encontram AQUI.











“The mind, placed before any kind of difficulty, can find an ideal outlet in the absurd. Accommodation to the absurd readmits adults to the mysterious realm inhabited by children.”
André Breton




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